É difícil perdoar

 

Jesus disse muitas vezes que Deus é misericordioso. Mas Ele também disse uma frase que pode dar arrepios na espinha, "Se não perdoares os outros, nem o teu Pai perdoará as tuas transgressões" (Mateus 6:15).

Temos que perdoar a todos? Aparentemente sim - contudo ninguém o faz perfeitamente. Não fazemos nada perfeitamente. Então como podemos esperar que o Pai nos perdoe?

 

Exemplos

Depois de um breve romance, George e Judy casaram. Após um igualmente breve casamento, Judy abandonou-o, esmagando o seu ego como uma casca de ovo num caminho-de-ferro. Mesmo após 10 anos, George ainda tem profundas cicatrizes da sua ferida.

 

                      Será que a frase de Judy "desculpa, mas eu quero mudar para algo novo" é uma

desculpa? Haverá alguma espécie de desculpa aceitável para esse tipo de traição?

Bob era o filho mais novo de uma família de sete. Ele "pediu emprestado" todo o dinheiro dos seus pais e perdeu-o a jogar. Agora está falido, e os irmãos mais velhos têm que cuidar dos pais idosos.

         Como podem eles perdoar Bob, quando eles ainda es!ão a sofrer com o que ele

 

fez?

 

Ou talvez conheça alguém como a Susan, o Chris ou o Karl. Susan foi abusada pelo seu padrasto e, 30 anos depois, ela continua a lutar com uma imagem de si própria distorcida. Chris ficou paralisado num acidente causado por um condutor bêbado. Karl ficou órfão quando o seu pai se suicidou.

Os pecadores estão mortos, e não se podem arrepender ou pedir desculpa. Poderão estas vítimas perdoar as pessoas que lhes causaram tal dor, ou isso trivializaria o pecado?

            Que outra escolha temos então?

Se nos agarrarmos à cólera, provavelmente ela corroer-nos-á, como ácido num pote de ferro. Tomar-nos-emos amargos, ulcerados, deprimidos e desagradáveis ­

           contribuímos para o nosso_prejuízo e dor.

            A cólera aumenta a nossa pressão sanguínea e magoa o nosso coração.

            Pela nossa própria saúde temos que perdoar - mas é difícil perdoar.

 

Perdoar outro crente

"Pedro foi ter com Jesus e perguntou, 'Senhor, quantas vezes devo perdoar o meu irmão quando ele pecar contra mim? Até sete vezes?' Jesus respondeu, 'Eu digo-te, não sete

vezes, mas setenta e sete vezes' "(Mateus 18:21-22).

Imagine-se que alguém da igreja magoou os seus sentimentos, e a pessoa pede "desculpa". E ele ou ela fá-lo de novo_ e pede "desculpa". E volta a acontecer, e de novo ouve "desculpa". E outra e outra e outra. Em que altura dirá, "Não me pareces realmente arrependido"?

Talvez a pessoa não esteja arrependida, mas Jesus diz para perdoar na mesma, mesmo 77 vezes. Tente dizer "Eu desculpo-te" essas mesmas vezes! Pode ser uma boa terapia.

Jesus disse "perdoa", não "esquece", e há uma diferença importante. Jesus não esqueceu quem O traiu, ou O abandonou, ou ordenou a Sua execução, mas Jesus não guarda rancor disso. Ele quer que as pessoas aceitem o perdão que Ele oferece - Ele morreu por elas assim como por todos.

(Quando a Bíblia diz que Deus não se lembra mais dos nossos pecados, não se está a falar de esquecimento - usa-se a palavra lembrar no sentido de tomar providências. Êxodo 2:24 é um exemplo deste sentido de "lembrar".)

Então Jesus contou uma parábola que explica porquê devemos perdoar: "Por isso, o reino do céu é como um rei que queria acertar contas com os seus servos. Quando ele começou o ajuste, um homem que lhe devia dez mil talentos [uma quantia enorme] foi trazido perante ele. Como ele não podia pagar, o senhor ordenou que ele e a sua mulher e os seus filhos e tudo o que ele tivesse fossem vendidos. para pagar a dívida" (Mateus 18:23-25).

O rei representa Deus, claro, e a dívida corresponde aos nossos pecados. Somos totalmente incapazes de pagar pelos nossos Ncados. Mesmo vendendo-nos à escravidão pagaríamos apenas uma pequena fracção da dívida. Não conseguimos resolver isto.

"O servo caiu de joelhos perante ele. 'Sê paciente comigo', implorou, , e pagar­te-ei tudo de volta.' O senhor teve pena dele, cancelou a dívida e deixou-o ir" (versículos 26-27).

Não podemos pagar a nossa dívida, mas se pedirmos misericórdia, Deus dar-nos­á mais do que aquilo que pedimos. É assim que é o reino de Deus.

(Como um aparte aqui, podemos ver que o servo não teve um total entendimento da graça de Deus. Ele pediu misericórdia, mas pensou ainda que poderia fazer algo para pagar a dívida. É como muitos Cristãos actualmente, que não acreditam que são perdoados a não ser que façam algum tipo de penitência. Contudo, Deus perdoa-os na mesma, mesmo se eles não entendem o quão vasto é o Seu perdão.)

Até agora, tudo bem. Seria uma grande parábola se Deus terminasse aqui mesmo. Mas Jesus não terminou aqui, e a segunda parte da parábola faz-me contorcer um pouco. Mas tenho que relembrar-me que a questão de Pedro não era se ele seria perdoado, mas se ele tem que perdoar os outros - e esta é a tarefa que frequentemente enfrentamos.

 

o servo não misericordioso

"Mas quando esse servo foi embora, encontrou um companheiro servo que lhe devia cem denarii. Ele agarrou-o e começou a estrangulá-lo. 'Paga-me o que me deves!'

exigiu" (versículo 28).

O primeiro servo estava resolvido a pagar a sua própria dívida recolhendo todos os cêntimos que pudesse. Cem denarii eram uma quantia considerável, mas eram apenas uma fracção diminuta dos 10,000 talentos. Mas todo o cêntimo conta, deve ter pensado o servo, e ele usou mesmo alguma violência para sublinhar a sua determinação em cobrar.

Os Cristãos hoje fazem isto também. Quando pensam que têm que ganhar o respeito de Deus através da obediência e boas acções, diminuem as pessoas que não estão a tentar tanto como eles.

"O seu companheiro servo caiu de joelhos e suplicou-lhe, 'Sê paciente comigo, e pagar-te-ei' [que foi o que o primeiro servo tinha dito ao seu senhor]. Mas ele recusou. Em vez disso, meteu o homem na prisão até que pudesse pagar a dívida" (versículos 29­30). Queria que os parentes do homem aparecessem com o dinheiro para tirar o companheiro da cadeia. Estava a jogar duro, numa tentativa desesperada para juntar dinheiro suficiente para impressionar o rei com a sua sinceridade.

"Quando os outros servos viram o que aconteceu, ficaram enormemente preocupados e contaram ao seu senhor o que acontecera. Então o senhor chamou o servo. 'Servo malvado', disse, 'cancelei toda a tua dívida porque me imploraste. Não deverias ter tido misericórdia do teu companheiro como eu tive de ti?' " (versículos 31­33).

 

Este capítulo é sobre a vida em comunidade, não apenas entre uma pessoa e Deus. Isto é uma pequena lembrança nesta parábola que as nossas acções afectam outras pessoas, e que deveríamos encorajar-nos uns aos outros a mostrar misericórdia, tal como ela nos foi concedida.

Aqui é quando a parábola se transforma num aviso: "Com raiva o seu senhor entregou-o aos carcereiros para ser torturado, até ele pagar tudo o que devia. Assim é como o meu Pai divino tratará cada um de vós a não ser que perdoem o vosso irmão de coração" (versículos 34-35).

            Chocante! - Jesus representa Deus tirando o perdão que Ele concedeu, e

infligindo castigo, sabendo bem que o homem nunca poderá "pagar o que devia".

Mas Jesus não está a tentar falar-nos da natureza do castigo eterno ­simplesmente está a apresentàr isto como um aviso com termos apropriados à parábola, que devemos perdoar os outros, não com rancor, mas do coração.

 

PerdãoilDperfeno

Mas estará Jesus a colocar em nós um fardo impossível? É fácil dizer "estás perdoado", mas é dificil senti-lo no coração. Não estamos nós zangados ainda com a injustiça que nos foi feita? Não sofremos ainda quando pensamos nisso? Não queremos ainda que a pessoa seja castigada pelo que fez? O que fazemos com a amargura que acumulámos nos nossos pensamentos?

Se a parábola fosse mais longa, talvez continuasse assim: "E o servo malvado disse, , Ó meu rei, tens razão. Foste paciente comigo; serei assim tão paciente com os meus companheiros servos. Por favor não me mandes para a prisão. Tem misericórdia de mim outra vez. Perdoarei quem me pedir misericórdia'. E o rei disse, 'Estás perdoado' .

"E o servo malvado foi-se embora e encontrou uma mulher que lhe devia 50 denarii, e ele ordenou que ela lhe pagasse dentro de uma semana. A mulher ficou extremamente pesarosa, e vendeu-se como escrava para pagar a dívida. E como ela não pediu misericórdia, não lha foi dada.

"Os outros servos descobriram e relataram ao rei, e o rei ficou zangado e chamou o servo malvado de novo, dizendo: 'Servo malvado! Perdoei a tua enorme dívida porque tu mo pediste. Não viste que a pobre mulher queria misericórdia mesmo estando com medo de a pedir?' Por isso, entrego-te às trevas exteriores, onde haverá choro e ranger de dentes' .

"Então o servo malvado disse: 'Ó meu rei, tens razão de novo. Se me perdoares esta vez, venderei algumas das minhas posses para tirar a mulher da escravatura.' 'Muito bem,' disse o rei, 'podes ir'. E o servo malvado foi-se embora e esqueceu-se do que prometeu.

"E ele foi denunciado outra vez ao rei, foi ameaçado com castigo outra vez, pediu misericórdia de novo, e foi perdoado de novo. E pergunto, quantas vezes perdoará o rei - sete vezes? Não, ele fá-Io-á 77 vezes. É assim que é o reino do céu. Deus é ainda mais misericordioso do que aquilo que nos diz para ser".

Por outras palavras, Deus perdoa até as nossas tentativas imperfeitas no perdão, desde que O procuremos para pedir misericórdia.

 

A chave para perdoar

Quanto melhor percebermos que somos perdoados, melhor conseguimos perdoar os outros. Isso não significa pensar (como fez o servo malvado), "Obrigado pela tua paciência; tentarei repor tudo o que devo." Se tivermos essa atitude, então ainda estamos a sobrestimar as nossas habilidades, e continuamos a esperar que as pessoas nos paguem tudo o que nos devem - humilhando-se por tudo o que fizeram por nós.

Mas a verdade (que o servo malvado podia saber, se tivesse ouvido atentamente) é que quando Deus nos perdoa, estamos perdoados. Não há dívida a pagar. Não há nada do qual se libertar, penitência para cumprir, necessidade de provar como fomos sinceros desta vez. Está perdoado - acabou.

Outro aspecto da parábola que nos ajudará a perdoar os outros: I:oi-nos perdoada uma enorme dívida; os pecados que as pessoas cometem contra nós são muito mais pequenos. Mesmo quando alguém nos espanca violentamente e nos prega na cruz para morrer, Deus perdoou-nos mais do que isso. Talvez seja dificil de acreditar, como eu acho, mas isto é o objectivo daquilo que Jesus está a dizer, e ele ganhou o direito de dizê-lo.

O perdão não significa que tenhamos que fingir que nada aconteceu. Não significa confiar dinheiro a um vigarista, confiar em alguém que bate na mulher para não abusar de novo, ou declarar um abusador de crianças como um pastor da juventude.

Perdoar quer dizer que nós não guardamos rancor, que não procuramos vingança. Significa abdicar da necessidade de vingar-se. Significa rezar pelos nossos inimigos. Significa vermo-nos nas suas peles, sabendo que Deus, por amor a Cristo, perdoou-nos também todos os nossos pecados. Não é necessário humilhar-se. Deus não quer que pequemos de novo, mas a Sua misericórdia é eterna.

Deus quer que perdoemos, e Ele sabe que é dificil. Ele quer que O obedeçamos em tudo, e Ele sabe que não o fazemos. É por isso que a nossa salvação não depende do nosso desempenho, mas da justiça de Cristo. A nossa salvação não depende do nosso desempenho na manutenção da lei, ou de ter fé suficiente, ou de perdoar quando devemos. Em todas estas áreas, somos pecadores que não conseguimos a glória de Deus.

 

A nossa salvação não depende de nós, mas de Cristo, e da nossa ligação com Ele. Ele é aquele que perdoa com sinceridade e frequência necessárias, e quando as nossas vidas estão escondidas em Cristo (Colossos 3:3), Deus atribui-nos a perfeita obediência de Cristo, incluindo o Seu perfeito perdão.

Deus quer que perdoemos os outros porque Ele nos perdoa. Ele perdoa-nos generosamente muito mais que 77 vezes. A questão é que temos que apercebermo-nos da nossa necessidade de misericórdia, procurá-Lo para pedir misericórdia, depender da Sua misericórdia, e em vez de guardar as nossas mágoas e alimentar as razões de queixà, precisamos de pedir-Lhe que nos ajude a começar a perdoar.

Neste mundo de pecado e ignorância, as ofensas são inevitáveis. Todos já fomos magoados. Qual foi a pior coisa que lhe aconteceu? Que ressentimento carrega? Pelo nosso próprio bem, temos que deixar ir os ressentimentos. Jesus ajudar-nos-á - é uma coisa pela qual vale a pena rezar.

 

Joseph Tkach